Ficha temática

Animais

A minha alma está pintada como as asas das borboletas,
Os contos de fadas de ontem vão crescer mas nunca irão morrer,
Eu posso voar, meus amigos…

Freddie Mercury

Uma nova perspetiva

Hoje, está a ter lugar um revolução, centrada na causa animal. Os estudos científicos encorajam-nos a pensar de forma diferente sobre os animais. Depois de os ter considerado como máquinas ou como seres inferiores, os cientistas estão a reconhecer-lhes inteligência e cultura. Nas sociedades europeias e em todo o lado, as mentalidades e os comportamentos em relação aos animais estão a mudar. Parecem-nos agora como seres sensíveis, inventivos, expressivos, aparecem sob uma nova luz, e no entanto… é uma espécie de regresso às nossas raízes.

Em 2015, o Código Civil francês reconhece que os animais são seres sensíveis, que não podem ser reduzidos à sua utilização e são, portanto, sujeitos com direitos. Em Portugal, essa alteração do Código Civil e do Estatuto Jurídico dos Animais ocorre em 2017.

No tempo em que os animais falavam…

Esta proximidade entre o homem, os animais e a natureza pode ser encontrada em mitos, fábulas e contos de todo o mundo, que nos dizem que houve uma época muito antiga em que a fronteira entre o homem e o animal não existia, quando os seres humanos e os animais falavam a mesma língua.

  • Esta ideia pode ser encontrada nas fórmulas introdutórias para as histórias [ler a folha temática das Pequenas Formas]. Por exemplo:
  • Era quando as aves tinham dentes, os animais falavam, as árvores cantavam e as pedras caminhavam. (Catalunha)
    Era quando os animais falavam, o melro era um comerciante de carvão, o cavalo era padeiro, o cão era carpinteiro. (Turquia)

    De facto, há uma tendência para dizer que quanto mais os animais falam nos contos, mais estamos a lidar com versões antigas, pertencentes ao campo do maravilhoso, que ainda não foi atingido pelo fenómeno da racionalização que tem acompanhado a evolução das sociedades modernas..

  • Os animais podem ser encontrados em toda a tradição oral, não só nos chamados “contos de animais” e fábulas, como também em contos cumulativos [folha temática], contos etiológicos [folha temática], e contos de fadas [folha temática].

Animais, uma preciosa ajuda para os seres humanos

Nos contos de fadas, o animal é uma figura de consciência, um elo de ligação entre um mundo e outro. O animal desempenha também o papel de comentador da ação. As aves são muitas vezes dotadas do poder da profecia, para aqueles que as sabem ouvir, podem prever o futuro, sabem mais do que nós sobre a aventura humana. O animal também tem frequentemente o papel de ajudante mágico (auxiliar de Vladimir Propp). Os animais são doadores recorrentes (um termo também utilizado por Vladimir Propp, [folha temática]) em contos de fadas. São agradecidos e são úteis. Por exemplo, um herói encontra um cervo apanhado nas silvas, liberta-o e a corça vem e diz: “Estou-vos eternamente grato. Se precisarem de alguma coisa, chamem-me, eu venho e ajudo-vos”. [Leia o conto]

Alguns contos, conhecidos como “contos de animais“, caracterizam-se por uma sensação de rivalidade, e na maioria das vezes apresentam dois animais que se encontram e confrontam um com o outro. Por vezes, os seres humanos podem desempenhar um papel. As características transportadas pelos animais são humanas. Uma peculiaridade dos contos de animais é o discurso direto, que é muitas vezes dialógico.

Numerosos, variados, frequentemente animados e engraçados, estes contos são uma grande fonte de inspiração e muitas vezes fáceis de abordar para o contador de histórias principiante. A astúcia caracteriza-os, exemplo disso é a figura da raposa (A cegonha e a raposa [leia o conto]) ou da zorra na Europa, mas també m, dependendo da região, a aranha, a tartaruga, a lebre, a gazela, o rato (O leão e o rato) [leia o conto]..

Fábulas, da Índia à Europa

Os contos de animais são histórias de “inteligência prática”, tal como as fábulas. Por baixo da animalidade, um disfarce pelo qual ninguém se deixa enganar, que lhes permite transmitir melhor a sua eficácia simbólica, encontra-se um ensinamento, um truque para permitir que os mais pequenos, os mais fracos, derrotem os mais fortes.

Espalhadas na Europa, várias fábulas vieram da Índia, por vezes através do Médio Oriente. Muitas delas foram transcritas muito cedo. Já no século VI a.C., o grego Esopo fez-lhes eco, seguido do Phaedra romano no século I d.C. Foi a partir desta coleção comum que La Fontaine e os seus seguidores extraíram os seus materiais para uso educacional e político. Assim, sem o saberem, algumas crianças contam, sem desconfiarem, fábulas indianas muito antigas na aula, como The Turtle and the Ducks, que se encont ra tanto no Panchatantra indiano (século VI) como em La Fontaine (século XVII)

Juntamente com estas versões escritas, estas histórias também foram transmitidas oralmente durante séculos.

As fábulas têm uma moralidade mais ou menos formulada de forma explícita, que ou é claramente afirmada no início e, neste caso, a narrativa ilustra-a, ou é desenhada no final como uma lição.

A infância da Humanidade

Os contos chegam até nós desde a infância da humanidade. Ao abolir todas as fronteiras, eles falam à inteligência da criança. Naturalmente sensível a um mundo animista, a criança apropria-se mais facilmente de uma história com animais do que com seres humanos.

Estes contos tornam-se, portanto, veículos de aprendizagem implícita e explícita e potenciadores de outras áreas de conhecimento, assim como são igualmente aglutinadores de valores que podem servir de mote para a construção de uma sociedade mais equilibrada e justa. Por exemplo, se pensarmos na fábula “A cigarra e a formiga” percebemos que temos de explorar o conceito de artista e debater com as crianças se a cultura e a arte performativa, pode ou não ser considerado um trabalho tão válido e justo como o do agricultor, por exemplo…

Os contos de animais são, por isso, um meio excelente para construir uma consciência crítica e reflexiva nos alunos. Dado que muitos partem de uma situação problemática, propor aos alunos que encontrem formas de a resolver, antes de apresentar o desfecho da história, promovendo a posteriori um debate sobre as soluções apresentadas (dos alunos e aquela que é apresentada pelo conto) propicia um contexto enriquecedor do ponto de vista, não só das competências linguísticas, como das competências de foro comportamental e social.

Para além disso, a adesão das crianças aos animais, faz com que sejam o mote perfeito para estudar os ecossistemas onde estes se inserem e assim alargar o seu campo lexical e o conhecimento do mundo natural que nos rodeia.