Contos
Mundo Mediterrâneo

O aprendiz de mago

level 4
Dificuldade ****
Temas : Medo

Um homem de grandes artes tinha na sua companhia um sobrinho, que lhe guardava a casa quando precisava sair.

De uma vez deu-lhe duas chaves, e disse: – Estas chaves são daquelas duas portas; não mas abras por cousa nenhuma do mundo, senão morres. O rapaz, assim que se viu só, não se lembrou mais da ameaça e abriu uma das portas. Apenas viu um campo escuro e um lobo que vinha correndo para arremeter contra ele. Fechou a porta a toda a pressa passado de medo.

Daí a pouco chegou o Mago: – Desgraçado! Porque abriste aquela porta, tendo-te avisado que perderias a vida? O rapaz chorou tanto que o Mago o perdoou. De outra vez saiu o tio e fez-lhe a mesma recomendação. Não ia muito longe, quando o sobrinho deu volta à chave da outra porta, e apenas viu uma campina com um cavalo branco a pastar.

Nisto lembrou-se da ameaça do tio e já o sentindo subir pela escada, começou a gritar: – Ai que agora é que estou perdido! O cavalo branco falou-lhe: – Apanha desse chão um ramo, uma pedra e um punhado de areia, e monta já em cima de mim.

O Mago abriu a porta da casa: o rapaz salta para cima do cavalo branco e grita: – Foge! Que chega o meu tio para me matar. O cavalo branco correu pelos ares fora; mas indo lá muito longe, o rapaz torna a gritar: – Corre! Que meu tio já me apanha para me matar. O cavalo branco correu mais, e quando o Mago estava quase a apanhá-los, disse para o rapaz:

Deita fora o ramo. Fez-se logo ali uma floresta muito fechada, e, enquanto o Mago abria caminho por ela, puseram-se muito longe. Ainda o rapaz tornou outra vez a gritar: – Corre! Que já está aqui o meu tio, que me vai matar. Disse o cavalo branco: – Dieta fora a pedra. Logo ali se levantou uma grande serra cheia de rochedos, que o Mago teve de subir, enquanto eles avançavam caminho. Mais adiante, grita o rapaz: – Corre, que meu tio agarra-nos. – Pois atira ao vento o punhado de areia, disse-lhe o cavalo branco.

Apareceu logo ali um mar sem fim, que o Mago não pôde atravessar. Foram dar a uma terra onde se estavam fazendo muitos prantos. O cavalo branco ali largou o rapaz e disse-lhe que quando se visse em grandes trabalhos por ele chamasse mas que nunca dissesse como viera ter ali. O rapaz foi andando e perguntou por quem eram aqueles grandes prantos. – É porque a filha do rei foi roubada por um gigante que vive em uma ilha aonde ninguém pode chegar.

– Pois eu sou capaz de ir lá. Foram dizê-lo ao rei; o rei obrigou-o com pena de morte a cumprir o que dissera. O rapaz valeu-se do cavalo branco, e conseguiu ir à ilha trazendo de lá a princesa, porque apanhara o gigante dormindo. A princesa assim que chegou ao palácio não parava de chorar. Perguntou-lhe o rei: – Porque choras tanto, minha filha? – Choro porque perdi o meu anel que me tinha dado a fada minha madrinha e, enquanto o não tornar a achar, estou sujeita a ser roubada outra vez ou ficar para sempre encantada. O rei mandou lançar o pregão em como dava a mão da princesa a quem achasse o anel que ela tinha perdido. O rapaz chamou o cavalo branco, que lhe trouxe do fundo do mar o anel, mas o rei não lhe queria já dar a mão da princesa; porém ela é que declarou que casaria com o jovem para que dissessem sempre: Palavra de rei não torna atrás.

Braga, Teófilo, “O aprendiz de mago”, Contos tradicionaes do Povo Portuguez, 1883