O povo do Algarve fala da zorra berradeira com um medo horrível.
Diversas são as opiniões que correm a respeito dessa entidade malfazeja.
Uns afirmam que a zorra berradeira é uma transformação de moura encantada. Certa moura encantada, desejando escapar-se aos funestos efeitos do encantamento, rebelou-se contra Allah, que a castigou, desgarrando-a e tornando-a objecto de ódio de toda a gente, mouros e cristãos.
Outros sustentam que aquele ser horrível é a alma penada de uma velha, em vida muito má, e que respondia a quem lhe censurava a sua vida escandalosa:
– Neste mundo anda-se como se quer. Porque no outro nada podem saber.
De noite, a deshoras, tem muita gente ouvido berrar, nos cumes dos mais agrestes serros, a zorra fatal. Vista de longe parece uma cabra, de mais perto uma imunda ave, de enormes dimensões, com as asas manchadas e sujas. É o verdadeiro retracto das arpias de outras eras.
Pessoas há que têm sido acometidas de noite pela zorra berradeira e se têm visto em grande perigo. Salta sobre o indivíduo com uma força enorme e no mesmo momento, como um velo arremessado pela força do vento, vai pousar sobre o serro mais alto. Exala de si um vapor imundo e nojento e, berrando atroa os serros e vales.
Em muitos concelhos do Algarve é a zorra berradeira muito mais temível do que as mouras encantadas ou as bruxas.
Parece que nos seus berros só anuncia desgraças e maldades.
Enquanto as Gens ou Jens são uns seres bem fazejos e queridos, a zorra berradeira é má e odiada por toda a gente.
A zorra berradeira é verdadeiramente a transformação das fúrias dos antigos. É tão má como estas e como estas igualmente temida.
Quando alguém tem a infelicidade de ouvir de noite a zorra berradeira, conta logo com desgraça em casa. (…)
Quando se pergunta a alguém, onde reside a zorra berradeira, responde imediatamente:
Em Odelouca.
Odelouca é uma ribeira que vem desaguar no rio de Portimão.
Há ocasiões em que a zorra berradeira se converte em um verdadeiro flagelo no concelho de Monchique. Os habitantes dos sítios de Odelouca não se atrevem a sair de suas casas, à noite. (…)