Contos
Mundo Mediterrâneo

A flor vai ver o mar

level 3
Dificuldade ***

Sumário: Allegorical story of a friendship (but lasting and complicit) between a flower, a stick, a frog, a dog and an ox, the narrative in question is still a text that seduces by language, word games, repetitions and parallelisms, by the rhythm and sonorous deeds, approaching, in this way, the universe of children’s rhymes with which it shares the playful and melodic aspects. The text also shows the irresistible attraction of the characters to other landscapes and environments, in this case the seafarers, leading them to overcome their physical limitations.

O Bo¡ é bom.

É bom e tem os pés

e as mãos no chão.

O Sol é bom.

É bom e’ tem as mãos no Céu.

Mas as mãos do Sol são luz.

10 A Rã tem o Iar no Rio.

Saí do Rio e ri.

De que r¡ a Rã?

R¡ da Flor,

que tem só um pé no chão.

Ri da Flor,

que não tem voz, crê a Rã.

A voz da ” diz cuá-cuá;

a voz do Boi diz mã.

E vem o Cão e diz:

– E eu?

E faz ão-ão

Os três a ver quem tem boa voz.

O Cão dá a mão ao B0¡,

o Boi dá os paus à Rã,

e os três vão a rir ver o Rio.

O Sol vê os três lá do e diz:

– E eu? Eu sou o Sol!

E diz o Boi:

– O So¡ é bom; é bom, dá luz.

– Ah, se és o Sol, vem cá! – diz a Rã.

O Sol vem do e vai com eles.

Vai com eles e diz:

– Bem bom!

A Flor, que tem só um pé, não vai.

O Rio bem quer que vá,

mas a Flor não sa¡ do chão.

E o R¡o, que tem dó da Flor, só diz:

– O Sol é pai e mãe de nós:

crê no So| ,tem fé, ó Flor!

Ao pé do Rio e da Fior

há um Pau.

Um Pau com ar de mau.

– Quem és tu? – diz a Flor por fim.

– Eu sou o Pau. A tua dor faz dó. Vem daí, vem! E vaia Flor e diz ao Pau:

-Tu és mau! Mas se não tens pés, não vais, não! E tu não tens pés.

Ri o Pau da Flor:

– Pois sim, s¡m! Mas eu sou o Pau

que faz a nau. ..

que vai ao Mar…

Sem que a Flor dê fé,

vem o Sol e diz:

– Dá cá a mão, vá!

E a Flor sai do chão.

Sai do chão, faz pó, e zás!

A Flor voa

e cai de pé no Pau.

E o Pau cai ao rio

e vai, vai, vai…

E a Fior ri, ri,

E a Flor faz do pé

boa pá prà ré da nau.

E aí vai a Flor e aí vai o Pau.

Aí vão os dois, num par, pró Mar.

E lá vão, lá vão. ..

– É bom ver a luz do Sol- diz a Flor a rir. – O Sol é o meu pão.

-É bom ver a cor do Mar – diz o Pau.

– O Mar é bom e é mau..

– Mau? ! Oh, não! – diz a Flor.

Eu já o vi bem mau. Bem mau!

Num dia…que dia! Nem o Sol se via…

E a Flor vai num fel; nem chus nem bus.

É a vez de o Pau ter dó da Flor:

– Que cruz me dás, Flor!

– O Mar faz mal?

– Não! … Já não sei bem. O Mar é bom, pois é: dá o sal.

– E o Sol? – diz a Flor num fio de voz.

– o Sol dá luz.

– Ah! Bem bom!

E lá vão, Iá vão pró Mar. ..

A Flor guia a nau com o pé

e já vê, vê mais além,

o Cão, a Rã, o Boi e o Sol.

A Flor nem crê no que vê.

E mal se põe ao pé dos três, diz:

– Eu vou ver o Mar! O Pau fez a nau e eu vou ver o Mar.

Dói ao Cão a dor de não ir e faz béu-béu,

já não faz ão-ão;

a cor da Rã é de giz,

a voz da Rã não tem som.

E a do Boi diz mã

mas não tem paz.

Sem cor, a Flor não ri nem vê.

E sem dar plo que faz,

põe mal o pé na nau

e num triz – zás! – cai ao Rio.

O Cão vê a Flor cair

e trás: Rio com ele.

A Rã vê a Flor cair e trás-pás: Rio com ela.

Mas é a Rã, um ás,

que traz a Flor na mão

e a põe na nau.

Ri a Rã, o Cão, a Flor e o Pau.

Aí é a vez de a Flor

Dar o pé à Rã e ao Cão.

Só ao Boi é que não:

o Boi é mais que cem cães;

O Boi é mais que mil rãs…

Flor! Ó Flor! -faz o Boi.

A Flor, sem fé, só diz:

– Se te dou o pé, ó Boi!, cai-se ao Rio, cai, cai.

– Dá um nó aos meus paus com o teu pé – diz o Boi.

– Não! Não vês que o Pau

é mais noz que nau?!

– Pois é, eu sei- diz o Boi.

Mas a Rã e o Cão vão bem.

Cá à ré,

já com fé,

a Flor quer dar o pé ao Boi,

mas a nau vai num ar pró Mar.

À toa, sob os três, o Pau sua.

Só o Boi, tão bom, não vai ver o Mar! …

E aí vem o Sol em prol do Boi:

– Ó Boi! Vê bem!

A tua lei é o chão

e o chão dá o grão;

e a mó, que mói o grão,

faz o grão em pó

e o pó do grão dá o pão.

És um rei; um rei de boa lei.

E o Boi ri, ri, ri.

E o som do Boi a rir

dá o tom à loa

dos que vão na nau:

Dó-Ré-Mi-Fá-Sol-Lá-Si

«A Flor vai ver O Mar. ..»

Num cais do Mar,

lá no cais do Sul,

há um bar.

Um bar com a cor da cai.

No tal bar há um Chim.

E o Chim faz um chá

pra dar à Flor,

mal a nau chegar.

É o fim.

R. Alves, A Flor vai ver o mar, Alfragide, Caminho, 2006

Alves Redol (1911-1969) was one of the top names in 20th century Portuguese literature. The four books that have Flor-Maria Flor as their central character were originally published in the late 1960s. They now return to the interaction of younger readers, illustrated by the talent of José Miguel Ribeiro.